Litoral apetitoso para o surf, caminhadas nas regiões dos incontáveis sítios arqueológicos, escaladas nos Andes, pedaladas pelos parques e reservas naturais, rafting em Urubamba, sandboard nas dunas em Ica e uma gorda Selva Amazônica que brasileiro bem conhece. Tudo isso com uma “pitada inca” de mistério, o que pode tornar a aventura mais instigante. Assim é o Peru, o país da América de Sul que faz fronteira com o Brasil pelo norte.
Enigma é o que não falta por lá: quem nunca se perguntou como os incas conseguiram construir, no topo de uma montanha, uma cidade com pedras gigantescas e pesadíssimas, isso sem conhecerem a roda para transportá-las? Não é à toa que Machu Picchu, a cidade perdida dos incas, é um dos 21 finalistas mais votados para compor as Sete Maravilhas do Mundo Moderno. A seleção, promovida pela fundação New Seven Wonders, terá o resultado final divulgado no próximo dia 7 de julho e qualquer pessoa pode votar. A organização anunciou este mês que o principal santuário histórico do Peru é um candidato fortíssimo, ao contrário do único concorrente tupiniquim, o Cristo Redentor, que até agora teve uma votação mediana perto do grande hype peruano.
Para quem se interessa em conhecer o Peru amazônico, lá vai a dica: “Pegue um vôo até Rio Branco, no Acre, siga de ônibus até a cidade de Brasiléia, já na divisa com o Peru, e dali para frente alugue um dos sucateados táxis até Puerto Maldonado (uma corrida que custa 12 dólares, se bem negociada), e depois um avião doméstico até Cuzco, já no começo da Cordilheira dos Andes”. A dura viagem vale a pena porque se chega à cidade-centro do Império Inca pelo lado menos explorado do Peru, enquanto a maioria dos turistas faz o batido trajeto via Bolívia, sem passar pelo coração da Amazônia.
Agora, se floresta úmida, quente e forrada de insetos não é o seu barato, o negócio é partir direto para o Parque Nacional de Huascarán, na Cordilheira Blanca. O local é casa de duas preciosidades: a montanha mais alta do Peru (Huascarán), com 6.768 metros, e a Alpamayo, com 5.947 metros, considerada a mais bonita do planeta por causa do seu formato piramidal. Existem mais oito cordilheiras no Peru, que juntas guardam 50 picos acima dos seis mil metros. Todas as montanhas acima dos 4.600 têm neve permanente. O geógrafo Maurício Lino de Almeida, 45 anos, autoproclamado “o brasileiro que mais viajou ao Peru” – a primeira viagem foi em 1987, como turista, e a 52a foi quase 20 anos depois, já como proprietário da Pisa Trekking, agência que já levou mais de três mil brasileiros para Machu Picchu – aconselha passar alguns dias no sopé dessas cadeias antes de fazer a trilha inca. “Além de ser um local espetacular, é uma forma animadora de se aclimatar à altitude.”
BRASILEIRO ADORA SURFAR NA COSTA PERUANA por causa das boas ondas. Boas não, ótimas! “O Peru leva a fama de ter uma das ondas mais longas e perfeitas do mundo”, conta o brasileiro Rodrigo Costa, 41 anos, ex-atleta profissional que surfa por lá desde a década de 80. Ele gosta tanto do lugar que até tem um filho peruano de 14 anos, que pelo gosto esportivo deveria ser brasileiro. “Ele também surfa, mas o negócio dele é a bola”, brinca Rodrigo.
Voltando à costa, o Peru tem praias banhadas pelo oceano Pacífico onde rolam ondas de norte a sul, o ano inteiro. Há desde ondinhas até as perigosíssimas morras do Pico Alto, no sul de Lima, com 25 pés. O pico mais crowdeado é Herradura, na capital Lima. Mas, segundo Rodrigo, “o quartel-general para conhecer diversos picos é Punta Hermosa”. As praias dessa cidadezinha a 45 quilômetros ao sul de Lima abrigam ondas para todos os gostos, além de ter uma infra-estrutura de hospedagem e alimentação acessível financeiramente. Duas dicas bacanas são a Pousada Luísfer (num pico chamado “La Isla”, cheio de brasileiros) ou a Oscar Morante, no Pico Alto. Ambas cobram entre 16 e 25 doláres por dia, com pensão completa. E é em Punta Hermosa que ficam as Pontas Rochosas (Punta Rocas), palco de campeonatos internacionais. Outros picos legais são Huayco e San Bartolo (costa sul) e Bermejo e Chicama (norte). É nesta última que rolam as tais ondas “mais longas e perfeitas do mundo”, com cerca de três quilômetros de extensão. Rodrigo aconselha levar na mala três pranchas de tamanhos diferentes (6’3”, 7’2” e 8’0”), mas avisa que as companhias aéreas cobram, em média, 25 dólares de taxa por prancha, na ida e na volta.
Vale lembrar que o mar no Peru é riquíssimo em microorganismos e peixes, o que torna a água sempre turva. Essa variedade de espécies é resultado de uma corrente de água fria chamada Humbolt, que vem do Pólo Sul e arrasta muitos nutrientes. Estes fomentam o surgimento dos plânctons, o principal alimento dos peixinhos. Uma névoa quase que constante na costa também ajuda a criar uma paisagem meio fosca, se comparada à costa multicolorida do Brasil.
DIVERTIDO É POUCO
O território peruano subdivide-se em três partes distintas, que fazem do país muito mais do que um quintalzinho divertido para os aventureiros. A costa (12% do território): 3.100 quilômetros de litoral, com predominância de clima e vegetação desérticos; a serra andina (28%): nove cadeias de montanhas nevadas, com 50 cumes acima dos seis mil metros; a Selva Amazônica (60%): floresta tropical com características bem conhecidas dos brasileiros.
SE O PERU VAI ALÉM DE MACHU PICCHU, Machu Picchu (a “montanha velha”) vai muito além daquela imagem clássica da cidade em ruínas, comum nos cartões-postais. Todo o santuário histórico tem mais de 32 mil hectares e durante a trilha até às ruínas (o famoso Caminho Inca, com 42 quilômetros), os trekkeiros passam por 16 outros pontos de prédios arqueológicos.
Almeida também aconselha gastar cinco dias para completar a caminhada e não quatro, como tradicionalmente. A idéia é não dormir no último acampamento antes de Machu Picchu (Winay Wayna) e sim num outro anterior (Phuyupatamarca). Perdese a infra-estrutura básica e a balada noturna regada à cerveja, mas ganha-se uma exuberante vista do Salkantay, o pico mais alto da reserva, com 6.271 metros, visão que você não teria no acampamento seguinte. E, de quebra, você não sairá de madrugada com o povaréu que dormiu em Phuyupatamarca (todos de ressaca e mau humor) para ver o amanhecer em Machu Picchu. Esse deleite você terá no dia seguinte e antes de todo mundo: afinal, você já estará lá desde a tarde anterior.
Por falar em multidão, o excesso de visitas às ruínas é eterno motivo de dor de cabeça para o Instituto Nacional de Cultura do Peru (INC), que administra o patrimônio cultural do país. Em 2004, quase 350 mil gringos botaram os pés na Trilha Inca, além dos 115 mil peruanos. Esse apinhado de gente resultou em duas medidas drásticas, implantadas em 2005: só entram 500 pessoas por dia na trilha, em grupos de 40, já incluídos um guia obrigatório, carregador e cozinheiro. Isso significa que visitar Machu Picchu virou um passeio concorridíssimo e que, se você desistir da viagem, seu nome vai parar no fim de uma longa fila de espera. E não adianta nem a sua agência tentar mexer os pauzinhos, pois cerca de 50 mil brasileiros visitam o Peru anualmente para fazer turismo. Se você for ao Peru com uma agência, esta deve garantir o seu visto de entrada ao caminho inca. Se for sozinho, em Cuzco há várias operadoras que oferecem o serviço. Uma confiável custa entre 300 e 400 dólares, já incluídos a entrada para o santuário, guia, carregadores, equipamentos para camping e alimentação.
Não vire estatística do clube da diarréia: evite qualquer tipo de alimento cru, inclusive salada, não beba outro suco exceto o de laranja e nunca (mas nunca, mesmo!) beba água que não seja mineral de uma fonte confiável.
Mas, viver sob a dominação inca também não era nada fácil, se compararmos ao padrão atual de sociedade. Num império que comandava a ferro e fogo várias etnias, o Estado controlava desde o local onde cada um morava até o que eles comiam. A administração era baseada na matemática, que eles dominavam superbem. Não conheciam a escrita, a roda ou a moeda, mas sabiam do valor do ouro.
Hoje, se questiona onde estaria escondida toda essa fortuna. Alguns estudiosos acreditam que no fundo do Titicaca, um lago com 8.380 km2 de extensão, que fica no sul do Peru, divisa com a Bolívia. Já rolaram algumas expedições de caça ao tesouro, como a de 1967, comandada pelo famoso oceanógrafo Jacques Cousteau, sabiam do valor do ouro.
Fique atento! O famoso quilômetro 88 (Qoriwayrachina), que ainda marca a entrada do Caminho Inca em muitos guias, não é hoje o mais usual; depois da lei que obriga a contratação de um guia, a entrada mudou para o quilômetro 82.
Para isso, os arqueológos precisam cair nas águas do Titicaca, uma tarefa nada fácil. Primeiro porque, mesmo com o apoio do governo, a população precisa autorizar as submersões. “Éramos obrigados a sempre levar um local no barco”, conta Eduardo. O segundo empecilho é a altitude. O Titicaca é o lago mais alto do mundo — ele está a 3.812 metros —, o que potencializa e dificulta o trabalho de descompressão após o mergulho. E não é fácil repetir a aventura extrema. Segundo Eduardo, por causa dessas particularidades, não há pacotes turísticos para mergulhar no Titicaca, o que só pode ser feito com a pré-autorização do governo e em caráter de expedição.
Para compensar as dificuldades, os “Indianas Jones” da Expedição Atahualpa encontraram diversas peças incas, como vasos de cerâmica, antigas âncoras de pedra e outros. Mas, o tesouro mais fascinante para Eduardo (aliás, descoberto por ele!) continua lá no fundo: uma antiga estrada e alguns muros construídos por moradores, que fermentam ainda mais uma pergunta sem resposta definitiva: afinal, como, quando e por que surgiu o Titicaca? Mistérios do Peru…
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