Nessa época eu estava morando em Primavera do Leste MT, já se tinha passado muito tempo sem uma aventura, o que pra mim era uma eternidade, então decidi aprontar mais uma, convidei vários amigos e pra minha surpresa só quem aceitou foi minha irmã (Jane), uma menina mimada que naquele dia me surpreendeu (eu não acreditava que ela seria capaz de enfrentar uma situação como aquela).
Decidimos ir ao pantanal, que ficava a menos de 200 km e ainda não tinha tido a oportunidade de conhecê-lo (a parte norte), como dinheiro era nosso grande problema optamos por uma viagem metade carona, metade de ônibus, arrumamos uma mochila, levamos um colchonete e partimos logo cedo em um ônibus com destino a Cuiabá, de lá até Poconé fomos de carona. Então chegamos até o Portal do Pantanal à pé (sob um sol de sapecar na sombra) em direção ao Porto Jofre pela transpantaneira.
Ali no posto da fiscalização (que fica no portal da transpantaneira) demoramos a pegar uma carona, pois carro passa de tempos em tempos, até que por sorte um caminhão que levava vários pescadores ia ate o Porto Jofre, “nosso destino”, aceitou nos levar na carroceria, melhor ainda lá teríamos uma melhor visão do esperado pantanal.
Ficamos maravilhados com o que víamos, conforme adentrávamos mais bela ia ficando a paisagem. E mais, a estrada, que em muitas das dezenas de pontilhões, tínhamos que parar e arrumar as madeiras para poder passar, era uma aventura que dava um frio em pensar se o caminhão ou até mesmo nós caíssemos num daqueles lagos infestado de jacaré e tantos outros mistérios, mas o medo era superado pela curiosidade. Pena que para nós não perdermos a carona não podíamos parar e curtir mais aquela natureza.
Quando a noite caiu já estávamos perto, o por do sol foi inesquecível, mesmo acompanhado de cima de uma carroceria, era de uma beleza sem igual.
Já era quase 9:00hs quando chegamos ao esperado Porto Jofre, último ponto que se pode adentrar de carro, dali pra frente teria que ser de barco. Decidimos acampar na beira da estrada mesmo, perto do caminhão dos pescadores. Fomos convidados por eles para ir rio acima pescar, eu até que aceitei, mas minha irmã nem pensar, entrar num rio cheio de piranhas e sabe-se lá o que mais. Então fiquei com ela e fomos pescar, ali mesmo na margem, o nosso jantar. Foi quando as muriçocas (ou mosquitos) começaram a atacar, (que bicho terrível), era uma piada a nossa pescaria, pois só conseguíamos pescar piranhas e se debater na tentativa de se livrar das “pestinhas”, não sei qual era mais difícil, tirar a piranha do anzol ou se livrar das muriçocas.
Enquanto estávamos em roda duma fogueira assando aqueles peixes feios, as muriçocas nos deixaram um pouco em paz (acho que pela fumaça). Mas na hora de dormir foi o maior sacrifício. Mesmo com roupas e um cobertor por cima (naquele calor terrível) os bichos conseguiam nos picar, passávamos repelente, e mais repelente, e me enfiava de baixo das cobertas e não adiantava, parecia que eles tinham uma furadeira que atravessava a coberta e nossas roupas para tomar nosso sangue, resultado; acabei me intoxicando, pois o cheiro do repelente e a falta de oxigênio em baixo das cobertas me fizeram passar mal, tinha que me lavar e tirar aquele cheiro urgente, mas como se só tinha o rio que até antes só pegávamos piranha, minha irmã não queria me deixar ir lá, mas de tanto eu falar que se não tirasse aquele repelente de mim eu é que ia morrer ela concordou. Quando cheguei a margem e adentrei até a água bater em minha cintura minha irmã já chorava e tapava os olhos com a mão, também você imagine, de noite num rio que tem jacaré, piranha, sucuri e sei lá mais o que.
Então resolvi aprontar uma, enquanto falava pra ela que não tinha problema ia me afundando, logo comecei a me debater e gritar desesperado; Minha irmã quase enlouqueceu de tanto gritar e chorar ao mesmo tempo, até que foi perdendo as forças e sentando, sai depressa e por uns 15 min fiquei acalmando-a, quando então se recuperou e pôde me xingar. Eu não sabia se ria daquela cena hilária ou chorava de dó dela.
Voltamos a deitar, mas dormir que é bom nem pensar, foi simplesmente a pior noite de nossas vidas, demos graças a Deus quando amanheceu, olhamos um pro outro e sem precisar falar decidimos, outra noite no pantanal não !!!
Partimos a pé fazendo o caminho de volta, foi quando podíamos chegar mais próximo aos bichos, sem medo, pois pra quem enfrentou as “muriçocas” o que é um jacaré ou uma sucuri, ou até mesmo uma onça. Andamos e andamos, carona nem pensar, além de passar poucos carros nenhum parou e a tarde estava chegando, nessa altura estávamos exaustos e com fome, mas nosso maior medo era de enfrentar de novo as “feras” (aqueles com asinhas), além de que onde estávamos não tinha nem um vestígio de civilização, sentimos um pouco de medo, mas acalmei minha irmã dizendo a ela que não se preocupasse, pois a sorte nunca tinha me abandonado em situações como aquela e nada de mais iria nos acontecer. Mesmo que eu nem imaginava como seria passar uma noite numa área tão isolada e sem tipo algum de abrigo, confesso que estava com medo, mas aparentei não estar preocupado. Só me senti aliviado quando mais uma vez a sorte não nos abandonou, pois os mesmos pescadores com seu caminhão milagroso apareceu e nos deu carona.
Desta vez tinha cheiro de peixe, estava toda suja aquela carroceria, digna dos mais desolados chiqueiros, mas a nós, devidos às circunstâncias era uma Limousine e rimos muito daquela situação, para completar nossa sorte os pescadores nos deixaram a menos de 100 km de nossa casa em Primavera do Leste, o resto do percurso fizemos de ônibus, que naquela altura mais parecia um avião.
Talvez as maiores lições que aprendi nessa aventura foi que nem sempre o mais perigoso é o maior.
Deve se preparar antes de enfrentar uma aventura, planejar e prever todas as situações possíveis de acontecer para que possamos enfrentar com maiores condições de superá-las.
E com minha irmã eu aprendi que mesmo uma pessoa mimada cheia de frescura, quando se depara diante de situações difíceis mostram seu verdadeiro valor e capacidade, você esteve de parabéns nessa nossa aventura minha irmã, apesar de parecer medrosa você foi de grande coragem.
Autor: Gelson Luiz
E-mail: gelsonluiz@fredon.com.br
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