Per asper ad astra. Era o tempo dos lemas em latim que dignificavam as instituições. “Por caminhos ásperos até as estrelas”, era o que significava o do Colégio Rio Branco, em Higienópolis, que, em turmas distintas, acolheu o ator Antônio Fagundes, o empresário Benjamin Steinbruch, o piloto Ayrton Senna e uma infinidade de paulistanos que ganharam o mundo (ou nele se perderam). Fui um deles, o que é totalmente irrelevante, exceto agora quando a suspensão do carro ameaça ruir, as molas rangem e o coxins se rompem na aproximação de Monte Verde, em Minas Gerais. Faltam 4 quilômetros, dos 32 que separam a cidade de Camanducaia de seu distrito mais idílico, e as crateras do caminho — uma mistura randomizada de asfaltos antigos mal aplicados, cascalho, terra e lama —, evocam a lembrança do quase esquecido epíteto romano. “A razão está com os que persistem” — traduzia, na sala de aula, um professor de formação positivista que, se bem me lembro, nem sequer merecia a atenção de seus pupilos.
E é evidente que vou persistir, como tantos outros veículos que passam gemendo na mesma direção, ainda que seja difícil entender por que, tantos anos depois, ainda são ásperos os caminhos para as estrelas dessa montanha. Ou nem tanto. Três dias mais tarde, o ar mais escasso, infinitamente mais puro, e perfumado pelas lareiras sempre acesas de Monte Verde, já minou as barreiras de minha rabugice rodoviária. Confesso que ainda não dominei o labirinto de ruas de terra que cortam o vale e sobem até os picos dessa parte da Mantiqueira, como o Selado e a Pedra Partida (ambos com mais de 2000 metros), mas já descobri que isso não importa. Monte Verde é apenas uma avenida central que leva seu próprio nome, um aeroporto um pouco mais elevado do seu lado esquerdo — o mais alto do Brasil, de terra e em franco desnível —, uma coleção de pousadas charmosas escondidas entre pinheiros e araucárias e um punhado de gente alternativa, descolada, imigrante ou mineira. Mas é muito mais que isso.
Historicamente, vem sendo comparada a Campos do Jordão, outro Shangri-lá de montanha, da qual está separada por acidentados 70 e poucos quilômetros. Acareação pertinente, já que, além de ocupar a mesma serra, em altitude semelhante, as duas cidades estão praticamente à mesma distância de São Paulo (170 quilômetros), suas especialidades são trutas, fondues e lareiras e seus visitantes são andarilhos, cavalgam pangarés e adoram ver os termômetros abaixo de zero grau. O caminhar inexorável do tempo, entretanto, tem causado estragos a esse clichê montanhês.
Enquanto, provida de acesso impecável, Campos desenvolveu- se desbragadamente para o bem e para o mal, Monte Verde ainda é um vilarejo pacífico discutindo seu destino. Os que sobem a serra — e quantos o fazem! — no caminho das frenéticas baladas e dos acampamentos de consumo que Campos do Jordão oferece no inverno, vão achar Monte Verde um lugar maçante. Para os que freqüentam a estância mineira, contudo, é justamente esse bulício quase metropolitano que tornou Campos um destino inaceitável, ainda que por lá corram os mesmos córregos gelados e despontem os mesmos cachos de pinhão. Um psicólogo barato descobrirá, contudo, que inconfessáveis sonhos de progresso fermentam na alma de grande parte dos monteverdianos. O lugar certo para instalar o divã é a Vila da Fonte. Trata-se de um bairro menos turístico da cidade, que você também atingirá se seguir pela avenida Monte Verde até o final. Ali ficam restaurantes muito freqüentados pelos empreendedores locais — e pelos viajantes mais espertos, que sabem descobrir endereços mais baratos e menos turísticos. Como o Sol Nascente de dona Neusa e seus pratos mineiros até a alma ou o Tenne, do Peter, em que se comem especialidades alemãs por até 9 reais.
As conversas que se ouve nessas mesas são reveladoras. Reclama-se da estrada. Reclama- se do governo de Minas, que não dá atenção a um lugar, afinal, freqüentado quase exclusivamente por paulistas. Das verbas aprovadas para o asfaltamento que foram desviadas, sabe-se lá como, para Itajubá. Dos paulistanos influentes que têm refúgios de montanha na cidade, chegam de helicóptero e mexem os pauzinhos para que o acesso continue ruim e a paz não seja maculada. Alguns se opõem. “Se vierem os ônibus-de-um-dia, isso aqui vai acabar!”, exaltam- se, a bordo da terceira dose de alguma aguardente de alambique. Outros contestam: “Monte Verde é uma cidade turística! Então, é preciso facilitar a vida para os turistas!” Algumas dezenas de metros serra abaixo são os turistas em discussão que confraternizam.
Quando há sol, em lugares como as “prainhas” do Deck Bar, do Quatro Estações (no novo Shopping Inverness) ou do Beija-Flor (onde Wendy Khoury prepara palitos de truta crocante com molho de sakê e laranja, de grande respeito), tudo o que eles querem é esquecer o caminho áspero. Os que ainda falam sobre o tema são os raros viajantes que vêm com a família e com os amigos: é bom papo para jogar fora na companhia da cerveja alemã. A maioria absoluta dos visitantes de Monte Verde, porém, é de casais em estado de encantamento. Não há percalços que os abalem ou temas que os distraiam. E é claro que não se importam com as estradas: eles já chegaram às estrelas.
Arrulhando serra acima
UM PASSEIO GOSTOSO
Os pombinhos. Enamorados, amantes, esperançosos, renovadores de votos, recuperadores de relações, matrimônios estáveis, duplas em tentativas desesperadas de salvação. Todos vêm a Monte Verde. Ninguém sabe precisar como ou por que começou. Quando o sr. Monte Verde (o imigrante letão Verner Grinberg, cujo sobrenome, traduzido, deu nome ao lugar) comprou as primeiras terras dos antigos Campos de Jaguari, em 1938, para mais tarde loteálas e criar um novo refúgio serrano, certamente não era seu plano criar um reduto tão ardente de casais românticos. Batista religioso e severo, não consta que ele tivesse alguma restrição à beleza do amor, mas é de se supor que ficasse corado com o rumo tântrico que tomou seu povoado. As famílias, com crianças, ainda têm, é claro, seu espaço em Monte Verde, mas cresce o número e a qualidade das pousadas destinadas exclusivamente para esse tipo de público. Se, em décadas passadas, o playground e a sala-de-jogos eram equipamentos indispensáveis nas hospedarias da região, hoje o que não pode faltar são ofurôs, banheiras de hidromassagem, edredons suaves e luzes rebatidas.
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“Planejada para despertar os mais lúdicos e fascinantes instintos românticos”, informa o slogan da pousada Carícia do Vento, de olho nos pombinhos que arrulham serra acima. “Feita para namorar”, responde o anúncio da Nico on the Hill, diversas vezes mencionada como uma das mais charmosas e românticas opções de hospedagem do país. Na avenida principal, ao lado das tradicionais lojas de chocolate, artesanato e roupas de inverno, a recente butique Moulin Rouge apresenta, aos viajantes, os últimos lançamentos de roupas íntimas e acessórios sensuais para casais que já estão no clima. Enquanto para atrair mais clientes, alguns restaurantes apregoam as supostas virtudes afrodisíacas das trutas. Monte Verde, enfim, se especializa em amor.
Rebecca Wagner, do tradicional Fazenda Hotel Itapuá, por exemplo, confessa que pouco restou de fazenda à sua hospedaria — exceto a amplidão do território e suas vistas assombrosas para os vales da Mantiqueira. Pressionada pela demanda de casais, ela reformou os chalés, mudou o cardápio e vem de concluir uma insinuante piscina com jacuzzi ao lado. Mais recentes no pedaço, Lilian e Eduardo Amaro, deixaram o mercado financeiro do Rio de Janeiro e São Paulo para explorar o mesmo filão. Seu hotel Kuriuwa, o mais sofisticado da cidade, foi concebido para casais dispostos a pagar até 1700 reais por uma noite de romance em chalés (“moradas”, preferem os proprietários), que podem ter 130 metros quadrados de área construída. Também nem pensam ver crianças em seus domínios Beatriz e Nico (on the Hill) Pereira de Queiróz.
“Sabe o que é? O Jimi fica indócil com criança” — brinca o autodenominado diretor artístico da pousada, referindo-se ao inofensivo labrador Jimi Hendrix, que também poderia se chamar Valentino Rossi, de vez que entre o rock e a motovelocidade, o coração de Nico balança. Quando você vier até aqui, portanto, verifique no hotel se ele aceita família. Há muitos, é preciso dizer, que ainda não mudaram de foco. E grande parte da cidade ainda aposta na diversidade do público. Não ficam ociosos na temporada, por exemplo, os cabisbaixos cavalinhos que fazem ponto ao lado do único posto de gasolina da cidade. Os quadriciclos motorizados, um tanto ruidosos e fora de contexto, também prosperam mesmo sem o prestígio dos casais apaixonados.
Rodízio de fondue
GASTRONOMIA DE PRIMEIRA MÃO
O ginásio de patinação no gelo — provavelmente o único construído para funcionar com esse propósito e em bases permanentes em todo o Brasil — segue aberto, registrando quedas cômicas e dolorosas. Os sobrevôos do Cessna de Ratão (veja quadro) continuam revelando ângulos inéditos da Mantiqueira. E a Avenida Monte Verde não pára de se renovar. Dois novos centros comerciais devem abrir as portas em breve. O Inverness e o Oak Mall, já em funcionamento, são a prova de que, com estrada ruim ou não, a cidade prospera.
No shopping de todos os fins-de-semana, os visitantes encontram os sabonetes e as lembranças da Alpina e da MV, as lojas mais antigas da cidade. Os queijos, doces (e sobretudo as cachaças) da Pioneira; as compotas, os chás, as frutas desidratadas e outras iguarias do Maçã Crocante; as camisetas de design divertido do Pafúncio foi a Pé; o patchwork de muito bom gosto de Ruth Bódnar; as cerâmicas e os strudels de Nelson e Miriam Speranza; os moletons e as criações surpreendentes da Lüh Jöb (uma loja cujo design poderia estar na Suiça), e as “prímulas” e “mordiscos” da Gressoney, a mais tradicional bonbonnière local.
Só a gastronomia da cidade ainda não está à altura do resto dos serviços. Dos muitos restaurantes da cidade, poucos conseguem ser pelo menos estáveis. Quase todos oferecem fondues e trutas — e se você tiver sorte talvez saia satisfeito. A regra, porém, é comer sem sofisticação. O Deck Bar Forneria e o Beija Flor são dos poucos restaurantes que se esforçam para escapar da mesmice culinária com um pouco de talento. O resto é carregação comercial, incluindo, recentemente, a inacreditável invenção do rodízio de fondues, que assassina tanto o conceito de rodízio quanto o charme do fondue.
Estimado provedor
Vale mais, nesse quesito, a despretensão do Paulo das Trutas, ou o esforço de Manfred Ostermayer, que defuma salmões, trutas e ovas de tainha em sua casa, para uma clientela seleta e exigente. Manfred, diga-se, é o distribuidor local de cervejas alemãs e vinhos. “O cara mais importante da cidade”, exagera Nico, garantindo que qualquer monteverdiano de bom senso zela, diariamente, pelo bem-estar de seu mais estimado provedor. O futuro há de reservar espaço para a boa cozinha em um lugar que já tem ótimas camas, lareiras, ofurôs e clientes ávidos para que suas noites ardentes não sofram a interferência de difíceis digestões. Mas a verdade é que, para alívio de alguns e ansiedade de outros, as coisas ainda caminham a passos lentos nas terras de Verner Grinberg, que morreu no ano passado e cujos sucessores ainda detêm a propriedade de grande parte dos terrenos em constante valorização.
Exceto pelos visitantes, que se alternam, todos os moradores da cidade se conhecem. Amam-se e odeiam-se intimamente, como em qualquer pequena comunidade — e qualquer observador isento verá que cada um deles busca, de um jeito ou de outro, viabilizar o mundo utópico que projetou nessa porção da Mantiqueira. Alguns deles (todos sabem), de maneira convencional, com empreendimentos bem planejados e sérios. Outros (todos sabem, também), oportunistas, sem licenças, alvarás ou projetos que não sejam faturamento imediato e predatório.
Há uma terceira categoria de sonhadores. Como Mário Lages, o orgulhoso — e completamente louco — proprietário do Starbar, o bar mais alto do Brasil, com proclamados 1850 metros de altitude. Mário, a quem são atribuídos nove filhos legítimos e um incontável número de bastardos, já está há duas décadas encarapitado nos picos da Mantiqueira. Criador de cabras, promoter, organizador de raves e corretor de imóveis (“no futuro, vou vender Minas inteira”, jura, enquanto bebe os lucros de seu estabelecimento), ele é mais um dos que chegaram a Monte Verde per asper ad astra e parecem interminavelmente felizes. Como você vai ficar se vier até aqui. Ainda mais se estiver bem acompanhado.
Anote tudo!!!
GUIA PRÁTICOPatinação no Gelo: No final da Avenida Monte Verde, tel. 3438-1440.
Quadriciclo: Jornadas de 1 hora pelas atrações da cidade.
Trekking na Mantiqueira: Para fazer trilhas em direção aos picos da região. Você pode contratar um guia a partir de R$ 45 por pessoa.
Cavalgada: Logo depois do portal, ao lado do posto de gasolina, aluguel para passeios de 1 ou 2 horas, por R$ 30 e R$ 40.
Onde ficar
A região possui uma grande rede hoteleira e excelentes pousadas. Pesquise hotéis em Monte Verde.
Como chegar
Monte Verde fica a 167 quilômetros de São Paulo e a 499 de Belo Horizonte. O acesso é por Camanducaia, na Rodovia Fernão Dias, onde começa uma estrada precária, com 32 quilômetros de extensão. Vá devagar e procure viajar durante o dia.
A melhor época de visitação é de maio a setembro. É a estação seca, com muito frio (temperaturas, com freqüência, abaixo de zero) e ambiente acolhedor. No verão, chove muito nessa parte da Mantiqueira, mas, em muitas noites, é possível acender a lareira.
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