Uma das primeiras lembranças da minha infância é de um pôster do Himalaia pendurado na parede do corredor da casa dos meus pais. Quando era criança comecei a aprender os nomes e as altitudes dos picos que apareciam naquela foto. Changatse (7.550 m), Nuptse (7.864m), Lhotse (8.516m) e, claro, Everest (8.848m). As montanhas mais altas do mundo, uma do lado da outra. E minha mãe contava as histórias dos exploradores europeus que chegaram lá pela primeira vez. As caminhadas eram extremamente duras, mas a obsessão da conquista fazia com que seguissem em frente. Muitos morreram de frio, de fome, de falta de oxigênio, por avalanches.
Ficava vidrado com essas aventuras e fui desenvolvendo uma vontade enorme de conhecer o lugar onde a imagem do pôster tinha sido produzida. Queria ver ao vivo aquela vista, tirar minha própria foto. Mais tarde, quando já estava acostumado a fazer trilhas pelo Brasil, acabei descobrindo que a foto tinha sido tirada do cume de outra montanha, o Kala Patar. Com “apenas” 6.000m de altitude, parecia uma tarefa fácil. Então, sem pensar duas vezes, viajei para Katmandu. Juntei-me a um grupo e partimos na expedição que realizou meu sonho de infância.
Pegamos um aviãozinho turboélice com lugar para dez passageiros. O pouso foi em Lukla, na pista de aterrissagem mais perigosa do mundo, segundo o Discovery Channel. Além dos ventos muito fortes e imprevisíveis, a pista é curta, super inclinada e delimitada por precipícios. Já aconteceu algumas vezes do avião cair nos despenhadeiros, ou mesmo capotar na pista, matando todos a bordo. Que aventura! Mas, pelo menos, começamos a caminhada a partir de 2.840m de altitude. Os exploradores do passado tinham que sair de Katmandu, com seus 1.400m.
A região é ligeiramente povoada. Em construções muito simples vivem os sherpas, povo de origem tibetana, budista, superadaptado ao ar rarefeito do Himalaia. Enquanto nós penávamos, já no começo, com a falta de oxigênio e o esforço físico nas trilhas longas e íngremes, os sherpas carregavam nas costas pesos absurdos, cantando e assobiando durante a caminhada. Eram eles que levavam nossas malas e preparavam as refeições. Acostumados com os brasileiros que se aventuram no Nepal, eles falavam algumas palavras em português. “Bóra, bóra! Cabô moleza!”, era o que mais ouvíamos quando estávamos jogados no chão, exaustos, tentando recuperar o fôlego. Realmente não havia tempo para descansar. Em geral, começávamos a caminhar no nascer do sol e só parávamos quando ele estava atrás da cordilheira.
No início, a trilha acompanhava um rio cercado por um bosque típico do filme Senhor dos Anéis. O rio ficava cada vez mais para baixo. Nós o atravessamos diversas vezes em pontes longas e estreitas, centenas de metros acima da água. Muitas delas eram feitas de madeira já em decomposição, o que deixava tudo mais perigoso. Para completar, rebanhos de yak (espécie de boi peludo que só existe na região) também passavam por lá. Às vezes, quando estávamos no meio da travessia, eles entravam no lado oposto da ponte. Não havia como passar por eles. Então voltávamos correndo e gritando “Yak attack!”, para que os retardatários também dessem meia volta. Depois fiquei sabendo que alguns turistas morreram sendo empurrados da trilha e perfurados pelos chifres dos yaks. Quando estávamos subindo, a orientação era ficar do lado de dentro da trilha, nunca do lado do precipício.
Com o passar dos dias a paisagem foi se alterando. As árvores ficaram mais raras e menores, até sumirem de vez. O terreno ficou seco. A temperatura caiu drasticamente. Em uma noite, chegamos a pegar -20ºC, mas a sensação térmica era menor ainda, por conta dos ventos. O cenário era de pedras e geleiras, com montanhas brancas tocando o céu azul sobre nós. A falta de oxigênio nos deixava tontos, enjoados, com dor de cabeça severa. Ficávamos muito ofegantes. Os passos eram curtos demais. Comecei a achar que poderia não conseguir. Quando estávamos praticamente em 5.000m de altitude, um dos integrantes da expedição escorregou e quebrou o pé em três partes. Quatro sherpas abandonaram suas cargas e o carregaram morro abaixo, até um lugar onde poderia chegar o helicóptero de resgate. Mesmo sendo um helicóptero especial, feito para conseguir sustentação no ar rarefeito, o vento estava forte e não havia como pousar naquele momento. Felizmente, algumas horas depois as condições climáticas melhoraram e ele pôde ser levado para a sala de cirurgia em Katmandu.
Esse episódio abalou a moral da equipe. Agora, além de cansados e passando frio, estávamos muito tristes. Foi só quando avistamos de longe o Kala Patar que conseguimos focar nosso objetivo para seguir adiante. Avançamos lentamente, mas sem parar. À noite, nos aquecíamos e cozinhávamos usando excrementos secos de yak como combustível. A comida era gostosa. Macarrão, carne de yak, um ou outro vegetal. Mas não tínhamos fome. O enjoo cortou nosso apetite.
Galeria de Fotos da Subida ao Kala Patar no Nepal
Depois de dez dias de subida, estávamos a poucos metros do cume do Kala Patar. Traçamos a estratégia de ataque ao pico. Resolvemos partir no início da tarde, para chegar lá no pôr-do-sol. Assim, a chance de conseguir a vista sem nuvens era maior. A equipe se dividiu.
Os que estavam em pior condição e imprimiam um ritmo mais lento de caminhada saíram mais cedo. Os que estavam um pouco melhor saíram duas horas depois. Quanto menos tempo a gente ficasse naquela altitude extrema, menos riscos correríamos.
A subida final foi muito dura. É a parte mais íngreme de toda a trilha. A cada cinco ou seis passos era necessário parar alguns segundos para poder respirar. Meu nariz, minhas orelhas, meus pés, minhas mãos, estavam duros de frio. Praticamente não sentia as extremidades do corpo. O vento parecia uma faca cortando meu rosto. Lembrei-me do pôster na casa dos meus pais. Pensei que estava quase lá, que não poderia desistir agora. Eu me senti mais forte, mais disposto. Dei um pique final e, depois de passar uma pedra muito grande, consegui chegar. A equipe se reuniu. Alguns choravam de emoção e cansaço. Mas lá estavam Changatse, Nuptse, Lhotse e Everest. E finalmente pude fazer minha foto.
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